sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ensaio sobre o livre-arbítrio (2)


A resposta cristã à pergunta “porque o justo sofre?” está contida na doutrina da Queda. Segundo essa doutrina, o homem é agora um horror para Deus e para si mesmo, uma criatura mal ajustada ao universo, não porque Deus o tenha feito assim, mas porque ele se fez assim ao abusar de seu livre-arbítrio. Esta é a única função da doutrina para mim. Ela existe como proteção contra duas teorias sub-cristãs da origem do mal - o monismo, segundo o qual o próprio Deus, estando "acima do bem e do mal", produz imparcialmente os efeitos aos quais damos esses dois nomes, e o dualismo, que afirma que Deus produz o bem, enquanto outro Poder igual e independente produz o mal. O cristianismo afirma que Deus é bom em oposição a esses dois pontos de vista. Que Ele fez todas as coisas boas e por causa da excelência das mesmas; que uma das boas coisas que Ele fez, a saber, o livre-arbítrio das criaturas racionais, por sua própria natureza incluía a possibilidade do mal; e as criaturas, dispondo desta possibilidade, se tomaram más.

--------------------
Num jogo de xadrez é possível fazer certas concessões arbitrárias ao seu oponente, que se colocam em relação às regras gerais do jogo como os milagres para as leis da natureza. Você pode privar-se de uma torre, ou permitir que o adversário se arrependa de um movimento já feito, anulando-o. Mas se você aceitasse tudo que ele pudesse desejar a qualquer momento - se todos os movimentos dele fossem revogáveis e se todas as suas peças desaparecessem toda vez que a posição delas no tabuleiro o desagradasse – não haveria então na realidade um jogo entre vocês. O mesmo acontece com a vida das almas num mundo: as leis fixas, as conseqüências desenvolvendo-se através da necessidade causal, e toda a ordem natural, são tanto limites dentro dos quais sua vida comum fica confinada como também a condição única sob a qual essa vida pode existir. Tente excluir a possibilidade do sofrimento que a ordem da natureza e a existência do livre-arbítrio envolvem, e descobrirá que excluiu a própria vida.
.
Clive Staples Lewis

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Descobri que sou herege


Não raro tenho que enfrentar afirmações que apontam-me como "louco", "doido" e "rebelde". Suportar olhares de "escândalo" e "surpresa". Escutar que estou "desviado" e que sou um "mundano". Creio que afinal sou um herege.

Heresia vem do
grego haíresis e significa escolha. É heresia a escolha contrária ou diferente de um credo ou sistema religioso que pressuponha um sistema doutrinal organizado, ortodoxo. A palavra pode referir-se também a qualquer "deturpação" de sistemas filosóficos instituídos, ideologias políticas, paradigmas científicos, movimentos artísticos, ou outros.

Hairesis, que literalmente significa "escolha", é usada no Novo Testamento para designar uma seita ou facção. Por exemplo, os saduceus eram uma seita dentro do Judaísmo (Atos 5:17), assim como eram os fariseus (15:5). Quando inicialmente muitos judeus creram que Jesus de Nazaré era o Messias, eram conhecidos como "a seita dos Nazarenos" (24:5). Em cada um desses versos, a palavra hairesis não é usada para insultar - ela significa meramente uma seita, um pequeno grupo dissidente que se separou do Judaísmo. Depois que a igreja cresceu e se desenvolveu, qualquer grupo faccioso dentro de uma igreja local foi chamado de heresia - isto é, era uma seita que detinha certas opiniões contrárias às verdades estabelecidas pelos apóstolos.
Em vista disso, Paulo disse à igreja em Corinto que seitas deveriam se desenvolver entre eles como uma forma de separar o falso do verdadeiro (I Corintios 11:19).Eventualmente, a palavra "heresia" veio a significar o ensino particular que causava a separação de alguns do Cristianismo ortodoxo. Assim, Pedro exortava os cristãos sobre vários falsos mestres que tentariam demover os fiéis com seus ensinos heréticos (II Pedro 2:1). Na era moderna, esta é a forma como a palavra "heresia" é normalmente entendida; é incomum e/ou falso ensinamento aquele que prejudica a fé de certos fiéis e também causa facções distintas dentro da igreja.Algumas heresias famosas incluem o Gnosticismo, a perda de um corpo de idéias que normalmente incluem o ensino de que um ser maligno criou o mundo físico; Docetismo, que ensinava que Cristo não era humano de verdade; e muitas outras, frequentemente tendo a ver com a identidade de Cristo ou com a Trindade (dois tópicos muito polêmicos na história da igreja).

Enfim, quando um ou alguns faziam uma "escolha" que ameaçasse as estruturas bem arraigadas do Cristianismo institucionalizado, eram tidos como hereges. Fico pensando como Jesus reagiria a uma heresia? Com certeza, não o vejo queimando ninguém por fazer uma escolha diferente das boas novas que ele apresentava. Inclusive, não percebo nos relatos dos Evangelhos, nenhum traço em Jesus que o mostre preocupado com "hereges" ameaçando a sua mensagem. Aliás, Jesus não impõe as suas boas notícias. Antes, faz questão de fazer com que cada um que desejasse segui-lo ponderasse bastante a respeito de tal decisão. Jesus não invadia o direito de escolha das pessoas. Não sei de onde a igreja medieval entendeu que pessoas deviam ser queimadas em praça pública por escolherem não acreditar nas indulgências ou nos papas. Não vejo Jesus convertendo pessoas ao seu Evangelho à espada. Antes, com uma mensagem dura, impactante, radical e difícil de seguir. Mensagem tal que instigava a uma escolha dos ouvintes.

Algo na história da igreja me surpreende. Não fosse um herege Galileu talvez este texto não tratasse de cristianismo. Não fosse um herege chamado Galileu Galilei, a igreja estaria até hoje dogmatizando que a Terra é o centro do Universo. Não fosse um herege chamado Martinho Lutero estaríamos presos à ortodoxia católica apostólica romana. Pressuponho que ser um herege não é de todo ruim.

É claro que, há hereges e hereges! No entanto, a heresia depende do ponto de vista. Para os judeus os cristãos são hereges. Para os católicos os protestantes são hereges. Para os protestantes os adeptos da New Age são hereges. Revertemos a ordem destes e encontraremos uns hereges dos outros. Se não acreditar nas "teologias" prontas e autosuficientes é ser herege, então o sou. Se não acreditar na Teologia da prosperidade é ser herege, então o sou. Se não acreditar no Triunfalismo evangélico é ser herege, então o sou. Se não acreditar na Teologia da libertação, maldição hereditária e etc é ser herege, então o sou. Se não acreditar em "Cobertura espiritual" sob pena de maldição é ser herege, então o sou. Se questionar "Apóstolos", "Bispos", "Reverendos", "Arcebispos", "Papas" que abusam da posição clerical é ser herege, então o sou. Se não acreditar em "Templos", "Santuários" sagrados é ser herege, então o sou. Se não acreditar na casta leigo/clero e defender o sacerdócio de todos os crentes é ser herege, então o sou. Se não acreditar no sistema religioso predominante é ser herege, então o sou. Se mesmo assim, não me contendo dentro de qualquer sítio religioso, depender da graça, dia-a-dia tomar a minha cruz, negar a mim mesmo, enterrar meu velho homem, lutar contra o pecado na minha vida, amar meu próximo como a mim mesmo, ser amigo dos homossexuais, dos beberrões, dos mentirosos, dos pobres, dos ricos, das prostitutas, dos portadores de HIV e de todos os outros pequeninos, se o autor e consumador da minha fé é Jesus Cristo, Filho de Deus, meu único Salvador, é ser herege, então, pelo amor de Deus, eu sou um grande herege.

Acho que o fator comum entre todos os grandes "hereges" é o fato de que todos eles pensam.
Pensar não é difícil. Pode ser perigoso, mas não é complicado; pode ser trabalhoso, mas não é proibido.

É preferível correr o risco de se expor à ameaças de um herege peçonhento como eu do que ser encabrestado por um professor obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que repetir preconceitos alheios.

A religião tenta preservar-se criando "Guantánamos" onde joga aqueles que ela considera terroristas. Lá mofam os "Galileus" que ousaram afirmar suas constatações científicas; lá apodrecem os "Huss" que não se conformaram com as viseiras farisaicas que lhes foram dadas; lá morrem os "Martin Luther Kings" que não se curvaram ao status quo.

A religião de certezas não tolera que a espiritualidade conviva com incertezas. O fariseu precisa criar sistemas lógicos para que suas opiniões perdurem inabaláveis. Ele apedreja todos os que se expuserem a outras verdades. E quem tiver a petulância de pedir explicações será exilado.

A postura da elite eclesiástica é: rotule-se como apóstata todo o que olhar por cima das nossas cercas para ver se há alguma vida fora do nosso estreito corredor dogmático.
.
Por Thiago Mendanha

terça-feira, 28 de julho de 2009

A monotonia das heresias


A Igreja ortodoxa nunca tomou a rota fácil ou aceitou as convenções; a Igreja ortodoxa nunca foi respeitável. Teria sido mais fácil ter aceitado o poder terreno dos arianos. Teria sido mais fácil, durante o calvinista século XVII, cair no abismo infinito da predestinação. É fácil ser louco; é fácil ser herege. É sempre fácil deixar que cada época tenha a sua cabeça; o difícil é não perder a própria cabeça. É sempre fácil ser um modernista; assim como é fácil ser um snob. Cair em qualquer uma das ciladas explícitas de erro e exagero que um modismo depois de outro e uma seita depois de outra espalharam ao longo da trilha histórica do cristianismo — isso teria sido de fato simples. É sempre simples cair; há um número infinito de ângulos para levar alguém à queda, e apenas um para mantê-lo de pé. Cair em qualquer um dos modismos, do agnosticismo à Ciência Cristã, teria de fato sido óbvio e sem graça. Mas evitá-los a todos tem sido uma estonteante aventura; e na minha visão a carruagem celestial voa esfuziante atravessando as épocas. Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa verdade cambaleia, mas segue de pé.

G. K. Chesterton

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Ensaio sobre o tempo

Um dos maiores problemas da “teologia” e, especialmente de suas sistematizações, vem da antiga noção de tempo. Os teólogos, em geral, pensam em Deus com as categorias de tempo e espaço, e pensam na Graça como uma “evolução histórica”, como se Deus tivesse crescido com os homens. Hoje em dia, é um desperdício sem precedentes continuar a “fazer teologia” sem se entender a questão do tempo, até mesmo do ponto de vista da “física quântica”. Boa parte dos nosso conflitos doutrinários e teológicos — coisas como predestinação e livre-arbítrio — soam pequenas depois que você entende o que é o tempo, sua total relatividade e até mesmo sua inexistente-existência. O tempo serve à relatividade, daí ele servir à História. Mas serve pouco à Teologia, que nunca é o que pretende ser, caso não exista entre o temporal e o a-temporal. A redenção, portanto, aparece na História apenas porque ela pré-existe à própria História. O Cordeiro, afinal, foi imolado no Antes de qualquer História e de qualquer Tempo!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ser Pai e ser pai

Ser Pai é ser criador; gerador em potencial de suas criaturas e autor da vida.

Ser pai é acordar todos os dias e saber que existe uma princesa linda ao lado de sua cama que ainda nada entende sobre a vida, e mesmo assim, dialogar com essa pequena indefesa.

Ser Pai não é ter plano B para queda de suas criaturas, mas sim, arquitetar desde a fundação do mundo a redenção de seus filhos. Por isso, a redenção precede a criação.

Ser pai é aplicar suas forças de todo coração, entendimento e alma para ver um sorriso de canto de boca saindo do rostinho dessa princesinha de apenas 1 mês de vida.

Ser Pai é dominar sobre tudo; apesar do aparente paradoxo de saber que o mundo está um caos, o controle é sempre soberano.

Ser pai também é trocar a fralda, ajudar no banho, ouvir o choro e enchê-la de beijos – mesmo o pediatra proibindo o contato com as bochechinhas.

Ser Pai é doação – doar em plena ação.

Ser pai é chegar exausto do trabalho e ver os olhos reluzentes da fogosa Camilly querendo brincar com o pai babão.

Ser Pai é amar incondicionalmente, ou seja, não existe condição alguma para atrair o amor de Deus para mim; Ele me ama mesmo com as minhas corrupções e desleixos com Seu Reino.

Ser pai é levar ao médico, dar as devidas vacinas, aplicar os respectivos remédios e acima de tudo ser atuante em seu desenvolvimento e crescimento.

Ser Pai é se entregar – ver suas criaturas se curvando a outras divindades, e mesmo assim, se esvaziar na cruz em prol dessa humanidade prostituta.

Ser pai é ser chefe de família, esposo, administrador, filho e amigo.

Ser Pai é fazer o Verbo se tornar carne e habitar no meio de nós.

Ser pai é olhar para trás e ver que os planos e projetos do Pai nunca se frustrarão na vida de um pai.

Há muitas outras qualidades e diferenças de ser Pai e ser pai. Mas uma certeza é possível constatar: Ambos amam independentemente de nossos deméritos.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails